terça-feira, 5 de outubro de 2010

ENTREVISTA COM QUEM ENTENDE DO ASSUNTO

                                                     
                                                                                                            

Entrevistado: Armando da Silva Raggi Grossi
Formação: Bacharel em Fonoaudiologia / CRFa. – MG 7237 – 6ª Região
Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais
1-    As Cinco Pedagogas: Ao longo da sua atuação como fonoaudiólogo, qual o transtorno de maior incidência já atendido?

Armando Grossi: Durante a minha formação acadêmica, na Clínica de Fonoaudiologia da UFMG, percebi certa demanda por atendimento às crianças e aos adolescentes, os quais eram encaminhados, juntamente com pais ou responsáveis, ao Ambulatório, com distúrbios de linguagem. Era possível a nós terapeutas, o acesso a casos variados em função da troca de informações durante as supervisões, além dos estudos de casos apresentados. Geralmente, os responsáveis chegavam apresentando queixas semelhantes como, por exemplo, “meu filho fala errado”; “troca letras dentro das palavras”; “às vezes não consigo entender o que fala” “meu filho come as letras”; “escreve errado”; “a professora comentou que alguns colegas riem quando ele fala”. Em outras situações, verificavam-se queixas onde eram relatadas dificuldades na leitura e escrita, sendo que em praticamente todos os relatos, a queda de rendimento, em função de todas essas dificuldades, afetavam a vida escolar. Uma criança com dislalia pode substituir uma letra por outra, ou não pronunciar consoantes e ao apresentar problemas de articulação dos fonemas ou sílabas, pode ocorrer a transferência dos erros da linguagem oral para a escrita, quando iniciar a vida escolar. 

2-    As Cinco Pedagogas: Qual relação você estabelece entre o diagnóstico de Dislalia e o desempenho escolar, nas séries iniciais?

Armando Grossi: É importante definir o conceito de dislalia (termo aos poucos em desuso dentro da Fonoaudiologia – sendo mais utilizado distúrbio de fala) para, posteriormente, relacionar essa dificuldade ao desempenho escolar, principalmente na fase inicial da vida escolar. Trata-se de um transtorno de linguagem comum em crianças e até adolescentes, de fácil identificação, sendo um distúrbio de fala caracterizado pela dificuldade de articular as palavras, ocorrendo, principalmente, entre os 03 e 05 anos. Observa-se a pronúncia de determinadas palavras de maneira incorreta, com omissões, substituições, acréscimo de fonemas ou sílabas a elas. Quando se encontra uma criança nesta situação, é imprescindível examinar os órgãos da fala (boca, dentes, língua) e audição (ouvido), com o objetivo de detectar se a causa do distúrbio é orgânica (em função de má-formação ou alteração dos órgãos da fala e audição), neurológica ou funcional (quando não se encontra qualquer alteração físiológica). Esse distúrbio de fala pode interferir no aprendizado da escrita e fala, sendo que a maioria dos casos ocorre na chamada primeira infância, quando a criança está aprendendo a falar. As principais causas, nestes casos, podem ser relacionados a fatores emocionais (ciúmes de um irmão mais novo, separação dos pais ou convivência com pessoas que apresentam dificuldades na fala), verificando-se a assimilação da deficiência pela criança, com alterações na articulação dos fonemas. O diagnóstico dessa alteração pode ser observado ao verificar que a criança é incapaz de pronunciar corretamente os sons adequados para a sua idade e desenvolvimento.

Podemos sintetizar as etapas normais da aquisição da linguagem:

·        0-3 meses: produção de sons (choro/consolo, gritos, barulhos); distingue sons familiares.
·        4-6 meses: discriminação de sons da fala; compreensão de palavras (balbucio) e de expressões faciais; produção de vogais e, posteriormente, de consoantes.
·        7-9 meses: balbucio reduplicado (“bababa”) de forma interativa e produção gestual comunicativa (aponta para os objetos).
·        10-12 meses: primeiras palavras reais + jargão (balbucio com fala); contato visual, expressões faciais, vocalizações e gestos (se faz entender por meio dessas formas de comunicação antes mesmo de falar). 
·        12-18 meses: produção de 10 a 50 palavras e algumas frases de duas palavras – chama a atenção para receber uma resposta verbal do adulto.
·        02 anos: produz de 150 a 200 palavras e frases de 02 a 03 palavras.
·        03 anos: formula sentenças gramaticalmente completas (com artigo, preposição e plurais); formula questões.
·        04 anos: formulação sintática clara; completa inteligibilidade é esperada aos 04 anos e 6 meses (meninas em média um pouco antes) para a fonologia do português.

A partir dos 04 anos de idade, quando há suspeita do distúrbio de fala, a criança deve ser encaminhada ao otorrinolaringologista, fonoaudiólogo ou psicopedagogo. 

Para que a capacidade da linguagem seja estabelecida, devem ser adquiridas as seguintes competências, as quais dependem umas das outras: 
·        sensação: capacidade de receber o som;
·        percepção: capacidade pela qual se reconhece o som;
·        elaboração: capacidade de reflexão sobre os sons percebidos;
·        programação ou organização das respostas e articulação: capacidade de permitir a emissão sonora que depende da articulação da fala.


3-    As Cinco Pedagogas: Quais as políticas públicas de saúde e educação relacionadas ao atendimento dos portadores de Dislalia?
Armando Grossi: Programas são desenvolvidos, envolvendo políticas públicas, sejam nas escolas, bairros, comunidades, ONGs, e outros. Estes programas envolvem triagens com alunos, campanhas, orientações e esclarecimentos à população e, quando necessário, é feito encaminhamentos para profissionais específicos. Caso a criança necessite de atendimento, os pais ou responsável tem a opção de procurar os Postos de Saúde, onde serão realizados os devidos encaminhamentos. No momento do atendimento inicial, o profissional poderá solicitar exames e avaliação por parte de outros profissionais, visando um atendimento completo para a criança.

4-    As Cinco Pedagogas: Como a família interfere no tratamento da Dislalia?
Armando Grossi: Independentemente de a criança apresentar ou não alguma dificuldade de fala, o papel da família é fundamental para o crescimento e desenvolvimento de todo ser humano. Estudos mostram que o ambiente que envolve a criança é peça determinante para seu desenvolvimento. Sendo assim, a família, ou qualquer pessoa do convívio diário da criança, deve ficar atenta e perceber como ocorre o desenvolvimento lingüístico, ou seja, se a criança apresenta comportamentos esperados para a faixa etária, ou se verifica um comportamento fora do padrão de normalidade. Observar a maneira pela qual a criança se comunica (a criança tem dificuldade para comunicar? Evitar o contato e a comunicação, o isolamento, podem ser indícios de algum distúrbio). A partir do momento que a criança inicia a vida escolar, a participação dos pais ou responsáveis é de extrema importância, procurando sempre manter contato (professor, diretor, pedagogo...), estando a par de tudo que envolve a criança. Na grande maioria das vezes, os problemas são detectados pelos professores, fazendo com que a escola comunique aos pais imediatamente, solicitando encaminhamentos. Por isso ao manter esse feedback pais-escola, a grande beneficiada será a criança. Quando a criança é encaminhada para um profissional, sendo solicitado o tratamento, de nada terá valor se a família pensar que o sucesso depende apenas do terapeuta (no caso o fonoaudiólogo). Verifica-se que o sucesso da terapia, e conseqüente evolução no quadro lingüístico, está intimamente relacionado à motivação e participação da família no tratamento.

5-    As Cinco Pedagogas: Dentre os casos de Dislalia com os quais você se deparou, quais foram as estratégias didático-pedagógicas adotadas pelos professores do portador?
Armando Grossi: Tive a oportunidade de visitar a escola de um paciente – deficiente auditivo que fazia uso de prótese e, conseqüentemente, apresentava dificuldades na fala e na escrita - (durante o estágio) e conversar com a pedagoga e professora, o que acabou sendo uma experiência formidável, com bastante troca de informações. Pude perceber que a própria professora se dava ao máximo para com meu paciente, mas sentia algumas limitações estruturais e até mesmo por falta de informação. Ela procurava desenvolver dentro da sala de aula, atividades em grupos onde todos se ajudavam e recebiam ajudam. Essa professora relatou que costuma conversar com os alunos sobre as limitações apresentados por alguns, ensinando-lhes sobre a importância de ajudar essas pessoas, ao invés de fazerem “piadinhas”. Como se tratava de uma escola de inclusão, algumas turmas eram compostas por crianças com deficiências ou síndromes, o que facilitava esse processo psicopedagógico trabalhado com todos os alunos. No caso do meu paciente, a professora disse que procurava planejar atividades diferenciadas de leitura e escrita, respeitando as suas limitações.
No Ambulatório de Fonoaudiologia da UFMG, aconteciam os atendimentos em grupos compostos de 3 a 4 crianças na mesma faixa etária e com distúrbios de fala e de escrita, que afetavam o rendimento escolar. Nesse sistema a criança tinha a oportunidade de perceber que a dificuldade não era uma exclusividade dela e todos estavam naquele momento para superar obstáculos.
Algumas orientações são válidas para ser trabalhado dentro de casa e na escola da criança com distúrbio de fala:
- Repetir somente a palavra correta para que a criança não fixe a forma errada que acabou de pronunciar.
- É importante que o adulto articule bem as palavras, fazendo com que a criança perceba claramente todos os fonemas ou sílabas.
- Assim que perceber alterações na fala de um aluno, o professor deve evitar criar constrangimentos em sala de aula ou chamar a atenção para o fato. Uma criança que falta às aulas regularmente por problemas de audição, como otites freqüentes, requer maior atenção. Além disso, a posição da carteira,na sala de aula, ocupada pelo aluno com dificuldade merece destaque e atenção, para seja permitido a maior proximidade com o professor.
- O ato da fala é um ato motor elaborado e, portanto, os professores devem trocar informações com os educadores esportivos e professores de Educação Física, que normalmente observam o desenvolvimento psicomotor das crianças.
- O ideal é que a criança faça uma avaliação fonoaudiológica antes de iniciar a alfabetização, além de exames auditivos e oftalmológicos.

6-    As Cinco Pedagogas: Quanto tempo dura, em média, o tratamento desse transtorno?
Armando Grossi: Não é possível afirmar com precisão a duração de tratamento, principalmente, dentro da Fonoaudiologia. Por mais que um grupo de crianças/adolescentes venha apresentar dificuldades em comum, a evolução do tratamento dependerá de alguns fatores, as quais podem ser enumerados: a criança ter conhecimento da dificuldade que apresenta e os benefícios advindos do tratamento (quando isso não ocorre deve ser trabalhado com afinco, antes de se iniciar o tratamento), além da disposição para a terapia fonoaudiológica; a participação familiar que é bastante relevante; o envolvimento da escola, principalmente por parte do professor e pedagogos, que são as pessoas que percebem as dificuldades e solicitam encaminhamento , além de observar a aplicação na rotina escolar, fornecendo uma devolutiva. Na grande maioria dos casos é necessária a intervenção multidisciplinar, ou seja, a criança é atendida por outros profissionais, para avaliação de aspectos que podem estar contribuindo para a dificuldade apresentada. Após se ater a esses fatores, espera-se uma evolução do quadro, que poderá ser mais lenta ou rápida, dependendo do próprio indivíduo. Nessas situações é muito comum verificar o que se denominaria retrocesso no tratamento, em função da disposição da criança naquela semana específica de terapia. Posteriormente, esse retrocesso é confirmado por uma situação de cansaço, vivido pela criança, na semana anterior. O ritmo de terapia é estabelecido em conjunto terapeuta-criança, devendo-se respeitar o momento da criança.


7-    As Cinco Pedagogas: Como você avalia o impacto da intervenção de outros profissionais (como dentistas, psicopedagogos, psicólogos, etc.)?
Armando Grossi: Pelo fato da criança apresentar um distúrbio de fala, ela não pode ser vista apenas como uma “boca”, mas sim como um todo. Ao se iniciar um tratamento fonoaudiológico específico para a fala, é muito importante fazer o encaminhamento a outros profissionais, para avaliações complementares. A dificuldade da criança pode estar relacionado à alteração na arcada dentária e sem a atuação ortodôntica, o resultado da terapia fonoaudiológica fica limitado. A fisioterapia tem papel importante ao trabalhar postura e outras questões fisiológicas. Geralmente, essa criança poderá sofrer com “piadinhas” de outros colegas, pela maneira de falar, entrando em ação o trabalho do psicólogo. O neurologista pode investigar se a causa desse ou aquele problema decorre de alguma alteração neurofisiológica. O oftalmologista pesquisará a acuidade visual. O otorrinolaringologista fará uma inspeção nos órgão da fala e audição, procurando alguma anormalidade e solicitar exames. Além disso, os profissionais da escola desempenham um papel riquíssimo, no momento em que contribuem com os profissionais e aplicam dentro da própria escola as orientações recebidas de diversas partes. Sendo assim, o ideal seria que qualquer criança, antes de ser iniciada no trabalho de alfabetização, realizasse exames oftalmológicos e audiológicos para detectar possíveis alterações que viessem a interferir na aprendizagem.

Um comentário:

Unknown disse...

Olá meninas! adorei a estrevista!
me ajudou muito... tenho uma filinha de 1 aninho e vou ficar de olho nela!
grande beijo ;*